Ter a sensação do chão desabar sob seus pés, de não saber que direção seguir, do peito apertar a ponto de parecer explodir e ser tomado por um desespero avassalador. A perda remete a um conjunto de sentimentos intensos e difíceis de representá-los ou descrevê-los. Isso porque o luto é uma resposta emocional, que causa sofrimento imenso e tristeza profunda, pelo que a pessoa perdeu de significativo, seja alguém querido, o fim de um relacionamento, demissão ou ainda outras transições importantes na vida.
“Essa dinâmica inevitável pode levar a um processo lento e doloroso, além de desencadear várias emoções e reações, que variam de intensidade e duração conforme a vivência de cada indivíduo. O luto não se limita apenas a morte, mas também ao enfrentamento das perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano, ou seja, pode ser vivenciado por meio de perdas que perpassam pela dimensão física e psíquica, como elos significativos com aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares do indivíduo”, explica a psicóloga clínica da Unimed Personal, Deisy Parnof.
Como exemplo, a psicóloga clínica cita a transição da infância para a adolescência, que vem acompanhada de uma dolorosa abdicação do corpo e da vida infantil e suas significações. O mesmo ocorre no declínio das funções orgânicas com a chegada do envelhecimento. “Pode-se dizer que a forma de lidar e se adaptar às novas realidades com o processo de luto é determinado desde a infância, através da forma como foi conduzido durante as experiências de perdas”, comenta.
A médica psiquiatra e cooperada da Unimed Chapecó, Dra. Dirce Regina Quatrin, complementa que o luto representa uma adaptação física e emocional para a perda de algo significativo na vida. Ainda, como exemplos, a especialista cita a separação, por remeter a quebra de promessas e sonhos idealizados em conjunto; alterações de saúde que resultem em limitações físicas causadas por acidentes ou enfermidades, ou ainda a informação do diagnóstico de doença incurável ou terminal. Por fim ela destaca as mudanças no status da condição financeira, que geram também tensão, estresse e preocupação excessiva.
ESTÁGIOS
A dimensão da dor pode ser influenciada por alguns fatores, como cultura, crença religiosa, histórico familiar e funcionamento psicológico. Contudo, mesmo doloroso o processo de luto é essencial para a readaptação à nova realidade e a elaboração da perda. “O luto é muito mais complexo do que parece ser. Não é linear, pode oscilar na intensidade, no tempo e na ocorrência, ocasionando mais de uma emoção ou reação”, expõe Deisy.
Segundo a médica psiquiatra e cooperada da Unimed Chapecó, Dra. Rafaela Pavan, o luto é um processo natural e necessário, “deve ser vivido e nunca reprimido”. Para o tratamento é avaliado caso a caso, porque as pessoas reagem e administram de formas diferentes seus lutos. Para exemplificar, ela cita a obra “Sobre a morte e o morrer”, publicado na década de 1980 pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, que identificou a reação psíquica de cada paciente em estado terminal e formulou as cinco fases do luto ou de perspectiva da morte (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação). “Elas não ocorrem necessariamente nessa ordem e nem todas precisam ocorrer. Mas, as permanências em alguns estágios devem ser observadas como sinais de alerta. Diante de uma perda significativa é crucial que se viva os processos para que o indivíduo consiga prosseguir a vida, mesmo diante da dor”, finaliza.
Para a Dra. Dirce, essas fases descritas do luto são uma maneira de identificar que o enlutado está passando pela adaptação da ausência e pela ressignificação da perda. “É um processo dinâmico e que não acontece em uma ordem determinada”, defende.
CIRCUNSTÂNCIAS DA PERDA
Em caso da perda por morte, o período é único e não é linear, o tempo cronológico dependerá de razões como a relação com a pessoa, a natureza do falecimento e o apoio recebido. “É possível se acostumar com a falta, porém, é difícil haver uma cura total para essa dor, aquele lugar ficará sempre vazio, por isso o que ocorre é a ressignificação da perda. A dor permanece, o que aumenta são as possibilidades de vida do enlutado em torno dela, por isso, tem-se a impressão de que diminui”, enfatiza a psicóloga.
Com uma doença terminal o luto pode ser considerado antecipatório, principalmente, durante um longo período de cuidados, pois sua perda já é sentida na ausência, nas atividades que realizava anteriormente e na mudança de rotina. “A pessoa ainda não morreu, mas a elaboração da perda é vivenciada por ambos os lados (paciente e familiar). Nessas situações, é comum que possa haver ambivalência nas emoções, ora com o desejo de que o familiar parta para aliviar o sofrimento de ambos, ora com a culpa despertada pelos sentimentos anteriores”, justifica Deisy. A médica psiquiatra Dra. Dirce complementa que o luto antecipatório é mais intenso de acordo com o grau de sentimento, apego ou amor.
Para perdas abruptas, segundo a psicóloga, o choque e o sofrimento podem ser ainda maiores. O luto pode despertar sentimentos de culpa, raiva, sensação de desamparo, abandono, rejeição, solidão e desespero frente à rotina. “O enlutado estranha por completo aquilo que parecia ser conhecido, pois demanda de muita energia psíquica para a elaboração do luto”, destaca.
Em caso de luto por separação conjugal, segundo a Dra. Dirce, é comum que o primeiro ano seja mais intenso. “Isso se deve às necessidades de adaptação em relação às datas comemorativas como Páscoa, Natal, Fim de Ano ou ainda aniversários. Outra situação refere-se aos filhos, caso houver, e de como dividir o tempo e as obrigações na rotina e nessas celebrações”, complementa.
REAÇÕES
Cada pessoa reage de maneira única, pois são diversas circunstâncias envolvidas. “Toda perda gera reações. Há pessoas que se recolhem em seus sentimentos, outras se revoltam e ainda têm aquelas que acolhem o sofrimento dos outros deixando o seu de lado. Cada um é impactado de forma singular, por isso os comportamentos são diferentes de acordo com a situação e também seu entendimento sobre o luto”, realça a médica psiquiatra Dra. Rafaela.
O corpo também reage a essa sobrecarga emocional. O adoecimento pela perda pode resultar na Síndrome do Coração Partido ou ainda em reações patológicas. “Até algum tempo se definia como luto patológico se ultrapassasse dois meses da perda. Hoje se sabe que não é possível mensurar em tempo o processo de cada um. O que se considera é o prejuízo que gera para o indivíduo”, relata Dra. Rafaela.
Ajuda profissional deve ser buscada quando o luto causa impactos prolongados no cotidiano, nas rotinas de trabalho, na socialização, na alimentação ou ainda no sono. A médica psiquiatra cita como exemplos a dificuldade de iniciar o sono ou de mantê-lo, situação que se estende por muitas noites e proporciona prejuízos nas atividades diárias; perda ou aumento acentuado de apetite, que leva ao emagrecimento ou ganho de peso não desejados; irritabilidade intensa e isolamento. “Esses podem ser sinais de agravamento do que antes era um processo de luto para um quadro depressivo. As dificuldades em lidar com os sentimentos, aqueles que extrapolam o da perda, se tornam tristeza intensa e profunda”, alerta Dra. Rafaela ao explicar que nesses casos é recomendado utilizar medicação.
Fonte MB Comunicacao